(161) Sentindo a “Sensibilidade da Alma” do ator Matheus Nachtergaele.

A “Sensibilidade da Alma” é a nossa singularidade existencial e espiritual. Revela a essência do nosso “sentir interior”, seja pelo “pensar”, pelo “sentir das emoções” e até mesmo pelo silêncio da nossa “quietude”. Através da “Sensibilidade da Alma” também expressamos as matizes sensórias da nossa “consciência espiritual”, porque somos “seres iluminados” vindos de origem Superior para esta dimensão de vida.

Em entrevista concedida ao Editor-chefe da Revista da Cultura, Gustavo Ranieri, com fotos de Leo Drummond (publicação da Livraria Cultura, edição 111, de abril de 2017), o consagrado ator Matheus Nachtergaele “escancarou” a pureza da sua “Sensibilidade da Alma”. Com contagiante emoção, falou do “Processo de conscerto do desejo”, espetáculo que estreou no Rio de Janeiro. Nele, Matheus mostra para o público os poemas da sua mãe, Maria Cecilia, que aos 22 anos se suicidou quando ele tinha três meses de idade. Dessa entrevista, por limitação de espaço, destaco o seguinte:

1. Sobre ser poeta, ao ser perguntado se é um dom ou uma ausência.

Matheus. Ser poeta é uma ausência das leis naturais. É a única criação genuinamente humana. É uma ausência se você imaginar o desejo traçado pela natureza, mas é um dom se você imaginar a possibilidade da construção da fé humana. A poesia é a característica mais bonita, talvez a única que valha a pena.

2. Sobre outra vocação sua [além de atuar].

Matheus. Todos os meus talentos acabaram desembocando na cena. (…) Tudo desaguava no ator que sou. Então, talvez a vocação principal seja essa mesma, da ritualização da vida. (…) mesmo fora de cena, no meu cotidiano, a minha tendência aos rituais, seja na organização da casa, cuidar dos bichos, regar as plantas, a hora de ler, os momentos de silêncio. Percebo que tenho uma tendência a isso de forma muito organizada. (…) Tenho meus problemas pessoais mesquinhos como todos. Nem tudo o que acabo vivenciando em cena consigo utilizar imediatamente como crescimento para mim.

3. Sobre os poemas da sua mãe, na peça.

Matheus. (…) os poemas da Cecilia são o meu primeiro texto, o primeiro que li com uma atenção maior; eram os textos da minha mãe, da mãe que não conheci. Eram bons e agora, em uma certa etapa da minha vida, decidi tentar falar. E a cada dia vou descobrindo nuances, zonas dos poemas que não percebia. (…) Dizem que, quando você fala no seu quintal, você fala para o mundo. Confio nisso, acho que desde o início é muito mais do que só os poemas da Cecilia, minha mãe que se suicidou, isso é sobre as mães que se vão, sobre as experiências que são frustradas, sobre a reconstrução da tragédia em ensinamento. Agora, neste momento, me sinto muito ocupado todas as noites em fazer com que o ritual ultrapasse as minhas questões, que ele seja de todos. (…) Então, acho que, quando começo a peça e coloco a situação “mamãe se matou e esses são os poemas dela, fiquei eu aqui e farei disso um espetáculo”, parto de um pressuposto bonito para a cartase coletiva, as pessoas se apiedam. E tento fazer com que a gira seja de todos, sobre as coisas que se perdem e precisam ser ressignificadas.

4. Sobre um incômodo, um receio de ser visto com dó em algum momento.

Matheus. O público deve ter dó, é importante que ele tenha dó do herói. A parte mais complexa aqui é que é uma história pessoal. Mas não tive medo. Fiquei mais observando se seria uma experiência que extrapolaria minha história pessoal ou não. As pessoas ficam apiedadas da minha história com Cecilia, mas se sentem comprometidas também em muitos outros aspectos. Percebi desde o primeiro dia que as pessoas imediatamente se conectam com dramas familiares e, principalmente, com as ausências bruscas do afeto, coisas que são parte da experiência humana e que não têm jeito.

5. Sobre se faz parte da vida de todos, em menor ou maior grau.

Matheus. Sim, de todos. (…) Muitas vezes me senti triste com tudo o que aconteceu com a Cecilia e comigo, mas não nego que isso meu deu instrumentos bacanas. Sou um órfão e sei sobreviver sem a presença dominadora e extremamente carinhosa de uma mãe. E venho tentando através do espetáculo utilizar o que ela me deixou, que são poemas. Estou tentando transformar esses poucos poemas em muito [foram deixados uma carta e pouco mais de duas dúzias de escritos].

6. Sobre um lado do seu “sentir”.

Matheus. E graças a Deus a poesia fica eterna, publicada nos livros, para que a gente se lembre de que, em algum momento, a gente estava tentando dar um voo bonito. Mas não sou pessimista. Senão nem faria essa peça, não me exporia a esse grau. Acho que tenho um encanto pelo encontro humano, pela poesia e pela natureza ao meu redor. Sou encantado pelo mundo, gosto de estar aqui, acho bonito, acho bonito mesmo estar aqui. Gosto de ver beija-flor beijando flor, água corrente, gosto de estar aqui.

7. Sobre como consegue enxergar a beleza dos detalhes.

Matheus. (…) continuo sendo aquele que queria que a gente desse uma ré em direção a uma coisa mais humana e poética. Não sei se é possível. E sinto isso e acho que conquistei isso na minha vida. Meu trabalho é assim. Foi uma luta, viu? Tive de dizer muito não para uma aceleração, para uma dinheirama, para um chamamento de aceleração louca, histérica.

8. Sobre de que forma passaram 30 anos, desde que tomou conhecimento dos poemas de Cecilia até a estreia do espetáculo.

Matheus. Foram absolutamente necessários, não deu para queimar etapa nesse sentido. Desde o início, imaginei que alguma coisa deveria ser feita com os poemas para além da minha apreciação individual. As poesias tinham uma qualidade para além da minha experiência com elas. Eu teria de publicar um livro em algum momento… Mas fui cozinhando isso enquanto estava me formando como ator, como pessoa, porque tudo é uma coisa só, até sentir que conseguiria criar um ritual coletivo e não expor isso de maneira neurótica. Precisei de tempo sim, de novo o luxo do tempo, e em certo momento a coisa eclodiu. (…) É uma conquista realmente ferrenha para ganhar tempo e fazer as coisas realmente bonitas, mas sempre encantado com a ritualização do cotidiano brasileiro. (…) O êxito nunca será pessoal, sempre do coletivo, e nossas cagadas são de todos também.

9. Sobre se consegue compreender um pouco do que passou com a sua mãe, para não querer estar aqui.

Matheus. Não! (silêncio) Eu consigo, claro, entender o processo de desamor pela vida. (…) Gostar da vida é uma batalha diária na série humana. É um braço de ferro, e a vida acontece sob pressão. E cada vez que você encontra um motivo bacana para gostar das pessoas, para viver, para cumprir um ofício, para namorar alguém, para ler um livro, é gol. Não vou te dizer que entendo mais o que aconteceu com a Maria Cecilia do que antes, é um mistério para mim e estou comprometido com tudo isso. E, obviamente, parte de mim fica triste por saber que minha presença não foi suficiente para ter segurado essa mãe na Terra, mas, ao mesmo tempo, venho fazendo uma afirmação pela liberdade plena do ser humano. E acredito que o suicídio é, em última instância, a grande questão humana. Se você tem livre-arbítrio, se você é livre, você tem de decidir se quer ficar aqui, mesmo que haja o chamamento e o desejo de viver, reproduzir-se, ser mais feliz. Mesmo que essa energia, essa força, seja grande, a questão humana é decidir se quer ou não. E a gente faz isso de muitas maneiras. A gente está aqui sendo feliz ou se suicidando? Eu não sei mais. Toda noite vou ali pensar isso com as pessoas. Isso é bonito, né?

10. Sobre se é bonito, a beleza da decisão.

Matheus. Tem pessoas que são muito pela vida, são luminosas em seus objetivos, em seus ofícios, gostam de transmitir o que aprenderam. Os amantes da vida são bravos, porque a defendem. E não conseguem ficar calmos com o que os políticos estão fazendo.

11. Sobre se sente um dos que amam a vida.

Matheus. Sou dos que amam, apesar de ter momentos sóbrios como todo mundo e já ter entrado em alguns abismos. Mas amo, gosto de viver e espero dias melhores para nós. Tenho uma consciência clara de que melhor só para mim não existe. Ou é melhor para todo mundo ou não é melhor para ninguém. Não seria feliz em um paraíso artificial, em um tríplex, com ar-condicionado, cheio de tecnologias.

COMENTÁRIO:

Muito recente, antes de ler a entrevista de Matheus Nachtergaele, mandei pelo celular mensagem para Ana Clara, dizendo “que tudo está ao nosso alcance, dependendo apenas de nós para ser conquistado e, espiritualmente, ser eternizado”.

Relendo essa mensagem, a minha atenção foi centrada no meu escrever inconsciente, no sentido de que as nossas conquistas, assim como tudo nesta vida, sempre será espiritualmente eternizado “em nós”, “para nós”, por dimensões infinitas do nosso ciclo de necessidades de aprimoramento e de evolução, em todos os sentidos do nosso “existir”.

A entrevista de Matheus Nachtergaele está imantada com essência de “transcendência espiritual”. Ela perpetua com o seu “sentir interior”, com a “projeção sensória” elaborada pela sua “Sensibilidade da Alma”, o significado da plenitude da continuidade da vida. Prova que apesar da “finitude humana”, na nossa lembrança o efêmero não existe.

Conheci com o “BELO” da entrevista, um pouco da pureza da sua “Sensibilidade da Alma”. Depois da leitura, me veio à mente este “pensar” de Heráclito: – “Um homem só se aproxima do seu eu verdadeiro quando atinge a serenidade duma criança que brinca”.
Acredito que seja com essa mesma serenidade que o ator Matheus Nachtergaele, através da arte de representar, está ensinando como ele brinca com a vida.

Notas:

1.A reprodução parcial ou total, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, dependerá de prévia e expressa autorização do autor deste espaço virtual, com indicação dos créditos e link, para os efeitos da Lei 9610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos.
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3. Mensagem postada com autorização de Gustavo Ranieri, Editor-chefe da Revista da Cultura (Publicação da Livraria Cultura).
4 Entrevista completa no site http://www.livrariacultura.com.br/revistadacultura/home
5. Video do youtube (“A sensibilidade e a arte de Matheus Nachtergaele”).
6. No título da peça, está correta a grafia da palavra “conscerto”, de acordo com a explicação contida no vídeo.

Muita paz e harmonia espiritual para todos.

Sobre Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br
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