(025) Sentindo a “Sensibilidade da Alma”, de Clarice Niskier

Este espaço virtual foi criado em julho de 2014. Quando alcançou quarenta postagens, houve a invasão de um hacker e várias foram perdidas. Uma delas foi sobre a “sensibilidade da alma” da consagrada atriz Clarice Niskier que, apenas em uma noite, foi acessada por 115 pessoas. Este fato me causou profunda tristeza, em face da impossibilidade de conseguir a sua recuperação literal. É a prova de que, em nossas vidas, todos os momentos são únicos. No entanto, como podemos vivenciar novas “emoções”, trago para vocês a “luminosidade interior” de Clarice Niskier, manifesta na entrevista concedida ao jornalista Gustavo Ranieri, Editor-chefe da Revista da Cultura, da Livraria Cultura, publicada na edição n. 88, de novembro de 2014.

A entrevista foi motivada pela estreia do monólogo “A lista”, no teatro Eva Herz em São Paulo, onde ela também apresentava a peça “A alma imoral”, por ela adaptada do livro do rabino Nilton Bonder, em cartaz há oito anos.

Logo no início, Clarice assim se referiu ao momento da realização da entrevista:

– Tinha que ser. Os pássaros migraram, os elefantes na África, os tsunamis e nós estamos aqui. Você atravessou corretamente a rua, um carro não me pegou, o avião pousou e eu estou aqui. Se eu não levar em conta tudo isso, se isso não me trouxer entusiasmo, então não tem mais nada”.

Destaco da entrevista, estas respostas de Clarice Niskier:

1. Gustavo. A lista expande, ainda que de forma diferente, uma discussão primordial presente em A alma imoral: a compreensão do ser humano, tanto de si mesmo como do próximo. Provocar essas reflexões continua sendo o que te movimenta como artista?

Clarice. Acho que essa é a utopia do ser humano. A nossa utopia como artista. (…) Meu desejo é que nunca ninguém deixe de perguntar isso que você está perguntando. Isso já é um bom sinal. Sinal de que há espaço, de que há abertura, que há uma esperança, que há uma possibilidade, que há pessoas pensando sobre. E que esse potencial que a gente traz, dentro da gente, da não indiferença, da não violência, é uma conquista que o ser humano pode alcançar. É uma conquista da civilização. Há textos, há autores, filósofos, artistas, gente comum, enfim, pensando e se perguntando por que o processo civilizatório parece ter sido interrompido. É muita barbarie. Parece que o processo civilizatório parou. Mas a verdade é que ele não parou. Está num momento bastante complicado, mas não posso dizer que ele parou. Estamos aqui, vivos e fazendo essas perguntas e montando peças e mantendo a estrada aberta.

Comentário. É difícil (através da escrita) comentar a entrevista. É um desafio querer mostrar a “sensibilidade da alma” de Clarice Niskier. Não me satisfaz apenas dizer: – é um ser humano iluminado, consciente da sua missão “existencial” e espiritual”. Sou obrigado recorrer à esta inspiração de Victor Hugo, na sua obra Os Miseráveis:

– Só há um espetáculo mais grandioso que o oceano: o céu; só há um espetáculo mais grandioso que o céu: o interior da alma.

A “sensibilidade da alma” de Clarice Niskier é “encanto”, é leveza de “aprendizado”, é “sabedoria de viver”.

Sobre a sua primeira resposta, fiquei convencido de que para o “processo civilizatório” não terminar, dependerá apenas de cada um de nós. Dependerá das nossas responsabilidades de “escolhas”.
Como consta da pergunta, dependerá da “compreensão do ser humano, tanto de si mesmo, como do próximo”.

2. Gustavo. Mas neste processo civilizatório atual que você mencionou, as pessoas estariam, em sua opinião, mais preocupadas em fugir da dor do que se entregar à vida?

Clarice. Infelizmente, elas fogem da dor. Uma coisa é você parar de sofrer por bobagem. Agora, outra é fugir da dor de viver. A vida tem esse lado. As perdas são reais. Pronto. Assim como tem toda a alegria ligada à vida, tem toda a dor ligada à vida. (…) Faço psicanálise, converso, faço terapia, ioga e meditação, busco compreender as causas do sofrimento. Não posso estar medicada 24 horas para fugir da dor. Como é que você vai crescer e evoluir se não passar pela dor? Como é que você vai se humanizar? Aí que tem tudo a ver com a pergunta inicial: um ser humano só pode vivenciar o seu potencial solidário, o seu potencial da não indiferença, da não violência, se ele conhecer a dor, porque assim ele pode reconhecer a dor do outro. Sinto que eu, como ser humano, devo aceitar isso não com resignação, mas no sentido de que é um fato, é real. Assim como o Sol está no céu de dia e a Lua está de noite, a dor existe. Eu não procuro ela, mas ela vem.

Comentário. Aprendizado (“Parar de sofrer por bobagem”); Sabedoria (“As perdas são reais”.- Assim “como tem toda alegria ligada à vida, tem toda a dor ligada à vida”. – A dor ajuda crescer e evoluir.). Lição de vida (Só podemos reconhecer a dor do outro, conhecendo as nossas dores). Pensar como Clarice, é conquista de elevação “existencial” e “espiritual”, É ser beneficiado pelo saber “projetar” (com o nosso “jeito de ser”) o “sentir” a nossa “senbililidade da alma”.

3. Gustavo. E como você lida com a dor absorvida da vida e aquela absorvida da profissão?

Clarice. Estou acostumada (risos). É um desequilíbrio necessário. É uma sensibilização constante. Mas preciso disso como um camelo precisa de água para atravessar o deserto. Não compreendo a nossa vida sem um entusiasmo. Não compreendo a vida sem a paixão. Então, acho que essas turbulências que as peças nos causa são muito necessárias para a gente se perceber viva. (…) Sou uma pessoa bem feliz no meu dia a dia, porque sou simples, mas, por um tempo, o teatro me coloca em um lugar no qual elaboro a minha tristeza, elaboro as minhas observações sobre o mundo. (…) E o teatro é um lugar onde posso dar um testemunho, com alegria, sobre o que observo com o intuito de transformar aquilo.

Comentário. Clarice, com a sua “sensibilidade da alma”, aprendeu lidar com as dores da vida e da sua profissão. Para mim, é a sabedoria de saber mostrar, nos palcos da “vida” e do “teatro”, suas “emoções” e, principalmente, a sua necessidade de “Sentir-se bem”. O “caminho do despertar” de Clarice, está marcado pelas pegadas do seu “ser simples”, da elaboração da “tristeza”, e das suas “observações do mundo”.

Obs. Em seguida, Clarice afirmou que “A gente está sempre sem futuro. O que mais me estressa hoje é o fim do futuro”.

4. Gustavo. Mas seria a negação do futuro a justificativa para ocultar os erros do presente?

Clarice. Olha, entendo o seguinte – se estou entendendo alguma coisa (risos): quanto mais você vive o presente, mais futuro você tem, porque a vida gera vida e morte gera morte. Isso não quer dizer que a morte não esteja no final da vida, mas é uma vida vivida. Se estou aqui com você, agora, dando esta entrevista feliz da vida, entregue, esta entrevista gera vida. Quanto mais presente eu estiver aqui, mais futuro vou ter. Isso é o que compreendo. (…) Tem alguma coisa nos puxando para o apagão do aqui e agora. Então, se estou entendendo alguma coisa, eu vou, no leito da morte, sorrir com a vida vivida verdadeiramente. O [Donald] Winnicott tem uma frase que diz: “Eu quero estar vivo na hora da minha morte”. E tem também, no livro A alma imoral, a fala de Nilton Bonder: “A qualidade da nossa velhice está intimamente ligada à qualidade da nossa vida hoje”.

Comentário. Todos nós, com a resposta de Clarice, devemos meditar sobre esta “sabedoria de viver”: – “Quanto mais você vive o presente, mais futuro você tem”.

Tem gente que só se preocupa com o “presente” do seu “viver”. Como se o “futuro” não existisse, fosse apenas uma total “abstração existencial” para o nosso “viver”.

A vida é um permanente “processo de transformação” (independente da nossa vontade). A consequência desse processo, é a necessidade de “reinventar” nossas vidas. De “ressignificar”, não só o nosso “existir”, mas também o nosso “pensar”, o nosso “sentir”, o nosso “viver”.

Gosto deste “pensar” de Charles Chaplin:

– Enquanto você sonha, você está fazendo o rascunho do seu futuro.

Para mim, “rascunhar” o “futuro” é contribuir para a nossa necessidade de “evolução”, em todos os sentidos.

Sonhar com os nossos “desejos” de realizações futuras, é condição que ajuda entender o significado da nossa finalidade “existencial” e “espiritual”.

O ser humano precisa “buscar” a si mesmo. Precisa conhecer a sua “realidade interior”, a sua “subjetividade”.

Nós precisamos conquistar condições de “crescimento” e de “evolução”, começando por esta “sabedoria de viver” ensinada por Clarice Niskier: – “QUANTO MAIS VOCÊ VIVE O PRESENTE, MAIS FUTURO VOCÊ TEM”.

Obs. Aproximando-se do fim da entrevista, Clarice explica o seguinte:

Clarice. (…) Não dá para abraçar o mundo. Não dá para estar em todas as trincheiras ao mesmo tempo, mas vamos lá. Cada um na sua trincheira, cada um de sua maneira. Essa experiência humana de viver é sensacional! Ser humano e estar vivo é sensacional. Infelizmente, o sistema humano de sociedade transformou isso em um pesar, muitas vezes.(…) Ninguém é ingênuo. Ninguém está aqui de brincadeira. A gente sabe como é duro. Mas apesar disso, nós temos um potencial de transcendência, de entendimento, de capacidade de compartilhar com o outro, que é de um prazer inenarrável. Não é verdade? Nossa, é sensacional. Eu acho mesmo! Acho os encontros humanos sensacionais. Estou feliz de te dar esta entrevista. Fico feliz de dar um abraço, é sensacional. Se você me perguntar: “Isso que você está falando é fé?”. Eu te pergunto: “Isso que é fé? O que você acha?”.

Gustavo. Prefiro que você responda.

Clarice. Pode ser. Mas não em uma coisa impalpável. É uma fé neste próprio movimento chamado “vida”. E tudo aquilo me faz ficar nisso, eu quero entender, quero para mim. Quero conhecer a cabala, quero conhecer as religiões, quero conhecer o budismo, quero conhecer você. É fé em fluxo. Exatamente! Às vezes, penso assim: “Meu Deus, eu nasci!”.

Na Revista da Cultura, a entrevista de Clarice recebeu o título – “CLARICE NO ESPELHO”. Ao terminar, desejo que esta mensagem também seja o “espelho” que reflete a essência da “sensibilidade da alma” da Clarice Niskier.

Entrevista completa:
http://www.revistadacultura.com.br/resultado/14-11-04/Clarice_no_espelho.aspx

Notas:
1.A reprodução parcial ou total, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, dependerá de prévia e expressa autorização do autor deste espaço virtual, com indicação dos créditos e link, para os efeitos da Lei 9610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos.
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3.Vídeo do youtube, mostrando a sua conversa com o público, após a apresentação da peça A alma imoral.

Muita paz e harmonia espiritual para todos.

Publicado por

Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br

21 comentários em “(025) Sentindo a “Sensibilidade da Alma”, de Clarice Niskier”

    1. Fico contente por ter gostado. Agradeço sua sugestão, mas desde o início procuro manter um padrão no tamanho das mensagens. Quando não é possível, apresento os temas em partes.

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