(132) Sentindo a “Sensibilidade da Alma” do poeta Ferreira Gullar.

Passar pela vida é perpetuar, preferencialmente de modo significativo, a nossa missão existencial. É perpetuar, como exemplo de “viver”, de “pensar”, de “sentir”… É perpetuar, compondo o mosaico da nossa caminhada escolhida. Para Simone de Beauvoir – “Não há uma pegada do meu caminho que não passe pelo caminho do outro”. Esse seu “pensar” é revelador de um único e universal sentido do ciclo da vida. Explico: manifesta-se pelas nossas oportunidades de “crescimento” em todos os sentidos. São eles: os de “iluminação interior”, de “aprimoramento”, de “elevação espiritual” e muitos outros. Cabe a nós as “escolhas” e o nosso potencial interior de “acreditar”. Assim será “definida”, e por nós “sentida”, a nossa “harmonização interior” com a “essência transcendente” da finalidade “existencial” e “espiritual” de toda jornada humana. A “transformação espiritual” ensejada pela “finitude humana”, não deixa somente as “perdas”. Permanecem em nós, por dimensões infinitas da evolução do nosso “existir”, as matizes sensórias do “BELO” do “como viver” e, principalmente, do “saber viver”. O “saber” que inspirou estes versos de Cora Coralina (lembrado na primeira mensagem deste espaço virtual):

Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto durar.

Estas são as palavras do meu “sentir”, com tristeza, a “elevação espiritual” do poeta Ferreira Gullar, que pediu para morrer em paz e longe da UTI.

Para a merecida homenagem deste espaço virtual, destaco estas percepções interiores da sua “Sensibilidade da Alma” (Fontes de pesquisa: (1) Entrevista realizada em 11/08/2010, http://www.revistadehistoria.com.br, logo após ter sido agraciado com o Prêmio Camões; (2) Entrevista concedida ao editor Pedro Dias Leite, na edição de VEJA, de 26/11/2012, em http://veja.abril.com.br; (3) Entrevista realizada em 10/09/2015, concedida ao Jornalista Ubiratan Brasil, do jornal O Globo, comemorando “85 anos de poesia”, em http://www.fronteiras.com):

1. Sobre como faz seus poemas:
FG. [Eu] não trabalho em poesia. Isso não se faz por vontade. Poesia é uma coisa que as circunstâncias determinam. Eu não posso decidir escrever um poema hoje à tarde. Não vai acontecer. O poema, pelo menos no meu caso, nasce de um espanto, de uma descoberta inesperada. Às vezes, fico um ano inteiro sem escrever sequer um poema. Então, preciso dar tempo ao tempo até ter certeza de que o livro já tem um número suficiente de poemas ou de que o que ele expressa está de fato concluído. Por isso, quando me perguntam se sou o poeta Ferreira Gullar, eu respondo: “Às vezes”.

2. Sobre se a poesia tem alguma finalidade:
FG. Claro! Para início de conversa, a poesia é uma coisa necessária para quem faz e para quem lê. Seria fora de propósito que se fizesse alguma atividade humana desnecessária. As coisas são realizadas porque são necessárias de alguma maneira. (…) tem um público que precisa de poesia. O meu Poema Sujo (1976) é paradigmático neste sentido.

3. Sobre como é o seu método de fazer poesia:
FG. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema… Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa. O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

4. Sobre a possibilidade de viver só de poesia:
FG. Não [faria isso]. A poesia é algo incontrolável. Se alguém vive de poesia, ou morre de fome ou começa a escrever bobagens porque não é fácil assim. A poesia, como vejo, nasce do espanto, de alguma coisa que surpreende e que você tem necessidade de comunicar aos outros. É uma experiência de vida especial, não acontece todo dia. Isso é o que move o poeta a escrever. Sem isso, é possível até manusear bem as palavras, mas o poema fica vazio. É meu caso. Outro dia, disseram que eu garanti que não mais escreveria poesia. Nunca fiz isso. Algumas vezes, a poesia se arrancou, se negou a comparecer e fiquei perplexo, mas reconheci que parecia que não mais escreveria. (…) as coisas não são eternas e, como isso não se controla, não digo que farei de qualquer jeito, ou que não vou fazer. Só constato que faz tempo que não faço.

5. Sobre como conjuga a emoção de fazer o poema e ele comover ao mesmo tempo:
FG. Acredito que, se me comovo, outros também vão se comover. Passo no poema a emoção que tive. Às vezes, a situação é mais complicada e o poema saía menos acessível, dependendo do motivo que me levou a escrever. Minha preocupação é chegar a dizer aquilo que foi novo na vida, que experimentei ali, e encontrar a melhor maneira de expressar. O acaso é decisivo não só na vida pessoal, mas também na arte. Quando vou escrever um poema, a folha surge em branco, ainda não sei o que vai surgir ali. Qualquer coisa pode acontecer, a probabilidade é total porque a página está em branco. Quando coloco a primeira palavra, reduz a probabilidade, agora já não é o acaso. Quando se escreve o primeiro, o segundo verso, aí o poema vai deixando de ser fruto da probabilidade e do acaso e vai se tornando necessário. Ele próprio começa a determinar o que entra ali ou não. Você não sabe o que vai resultar daquilo. É um jogo entre acaso e necessidade. Cada poeta tem seu modo de se expressar. Com isso, aumenta a segurança de se expressar. E, com a experiência, é possível se tornar mais capaz de expressar o que se deseja.

6. Sobre se o momento de vida é sempre importante na criação:
FG. Há quem acredite que os poetas sofrem muito para escrever. Não é verdade – no momento da escrita, surge uma felicidade. Escrever é uma alquimia, pois transformo sofrimento em alegria, em beleza, em emoção que o outro vai sentir. (…) escrevi o Poema Sujo como se fosse a última coisa da minha vida, daí essa relação de emoções: eu estava no limite [referia-se ao seu período de exílio fora do Brasil]. Isso ninguém inventa. Eu preferia não ter vivido daquela forma, mas a vida é incontrolável. A situação era insuportável, mas o fato de eu ser capaz de expressar aquele impasse me ajudava. O pior é aquele que não consegue se expressar.

7. Sobre se a vida tem sentido:
FG. O sentido é inventado. A vida é inventada por nós. E o mundo é uma coisa inexplicável e maravilhosa. Estou escrevendo sobre o bóson (bóson de Higgs ou “partícula de Deus”). Dizem que o universo começou com o big-bang. Então, não havia nada e explodiu. Mas o nada explode? Não pode. Descobri lendo sobre o bóson, que só havia energia. Não é que não havia nada. A energia explodiu. E criou o universo. Mas quem criou a energia? Então, não tem explicação. E depois o universo é infinito, então ele não tem fora, só tem dentro. Mas se tiver fora é ele também. É o dentro sem fora. Tenho um poema com esse nome. “O dentro sem fora”. Parmênides, filósofo pré-socrático, falava assim: ‘O um é um e não é dois’. É isso.

8. Sobre o que lhe comove:
FG. A coisa mais difícil é me livrar de emoção.

9. Sobre a idade ser aliada ou uma inimiga do poeta:
FG. Com o avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. A gente passa a se espantar menos. Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em continuar escrevendo, não quer se dar por vencido. Então ele começa a escrever bobagens ou coisas sem a mesma qualidade das que produzia antes. Saber fazer ele sabe, mas é só técnica, falta alguma coisa. Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer comigo. Sem o espanto, eu não faço. Escrever só para fazer de conta, não faço. Eu vou morrer. O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. Quando o poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. Não vou forçar a barra. Isso não vai acontecer. Toda vez que publico um livro, a sensação que tenho é de que aquele é o definitivo. Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. Se não acontecer, não aconteceu.

10. Sobre como explica a arte atual (Nota: Pergunta feita em agosto de 2010):
FG. Atualmente temos a chamada arte contemporânea ou conceitual. Na minha opinião, é uma coisa que pouco tem a ver com arte. (…) Você acha que uma exposição que nos mostra larvas de mosca é arte? Pode até ser muito interessante, mas não tem nada a ver com arte. Lá no CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil] tinha uma mulher que expunha uma porção de pedaços de madeira com uns alto-falantes no meio. O que isso tem a ver com arte? Eu chamo isso de “Caninha 51, a boa ideia”. Tanto podia ser isso, aquele amontoado de ripas de madeira, como podia ser uma porção de gravetos, pedras, ou qualquer coisa. Nada é determinante ou necessário. De fato, alguém teve uma boa ideia e colocou aquilo ali. E me diz uma coisa: o que se faz com aquelas tábuas? Vai guardar? Não. Aquilo já foi exposto em outro lugar, jogou-se tudo fora e depois foram compradas mais ripas… É uma besteirada. Mas não se pode dizer isso. Eu sou o único crítico que diz essas coisas. Todo mundo fica com medo de parecer retrógrado. Todo mundo é avançado, moderno. Eu estou cagando para a modernidade.

11. Sobre como explicar as diferenças entre expressão e arte:
FG. Arte é expressão, mas nem toda expressão é arte. Se eu pegar essa folha de papel e amassar, estarei me expressando. Um quadro em branco, sem nada, não é uma expressão? É. Se eu fizer um traço preto, é outra expressão. Arte não é isso. Não é feita nem pela natureza, nem pelo acaso. Arte é uma coisa do ser humano. A arte existe porque a vida não basta, a vida é pouca. E a arte nos traz coisas belas, fascinantes, atordoantes, maravilhosas. É para isso que existe. Não serve para mostrar larva de mosca.

12. Sobre se a realidade não é arte:
FG. De maneira nenhuma. A arte é feita para mudar a realidade. A arte inventa, ela não revela realidade. É uma questão de necessidade. Se você ler o Saramago, vai entender que aquele cara tinha necessidade de escrever aquilo. A vida dele era aquilo. Ele não estava brincando, não estava de farra. Ele precisava extrair de alguma coisa palavras, frases e imagens que inventem um mundo do qual ele necessitasse. Certa vez, um artista espanhol me mostrou umas fotografias de uma exposição que ele tinha realizado em Madri. Eram imagens de raízes de árvores enormes que foram tiradas da terra. Eu perguntei: o que você fez com essas raízes? Ele as tinha jogado fora. Você imagina se o Rodin vai jogar fora as esculturas dele? Entendeu? Isso fica entre a vigarice, a esperteza e a burrice.

Termino esta mensagem, com a sabedoria deste pensar do poeta Ferreira Gular:

– “NÃO PUBLICO SE NÃO TEM QUALIDADE. NÃO ESCREVO POR ESCREVER.”

Notas:

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Muita paz e harmonia espiritual para todos.

Sobre Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br
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