(313) Sentindo a subjetividade das nossas percepções sensoriais de “solidão” (Parte IV).

“AS IMAGENS SENSORIAIS DE “SOLIDÃO” SÃO DEFINIDAS PELAS PERCEPÇÕES DOS NOSSOS ESTADOS EMOCIONAIS. MANIFESTAM-SE EM NÓS PELAS EXPERIÊNCIAS SUBJETIVAS DE REALIDADES ABSTRATAS, COM SEUS SIGNIFICADOS MODELADOS PELO NOSSO MODO DE SENTIR.”
São palavras que me foram intuídas para transmitir este meu atual entendimento: Em todas as nossas realidades de interações, sejam de que natureza forem, somos nós que criamos os nossos “estados de solidão”. Estou plenamente convencido de que todos os nossos “sentimentos de solidão” são “experiências subjetivas de realidades abstratas”. Mas como acontece com tudo em nossas vidas, somos nós que “criamos” todas as nossas realidades. Principalmente as nossas “realidades imaginárias”, com os seus significados elaborados e definidos por nós e para nós mesmos. O que não podemos esquecer é que “a linguagem da consciência é literal, mas a da alma é simbólica”. Esse conhecido ensinamento faz parte desta explicação do médico e psicoterapeuta junguiano Carlos São Paulo, na sua análise literária da obra “Segredo e Mentiras”, da escritora americana Diane Chamberlain, publicada pela Editora Arqueiro:

– O funcionamento da consciência nos leva a dizer: eu tenho um corpo. Esse EU é uma dimensão psíquica que rege as experiências conscientes e se relaciona com a ALMA. A linguagem da consciência é literal, mas a da alma é simbólica. (…) A psicologia analítica é uma ciência dos processos inconscientes. Ficamos atentos à maneira em que o oculto se revela. (…) Quando alguém conta ao analista o seu sofrimento, ele apenas escuta e procura encontrar um significado de como foram construídas aquelas ideias por trás desse significado. É como a vida de uma semente: expressa-se em vegetação depois que a enterramos. É assim que o oculto se revela, plantado, cuidado e fertilizado. O oculto é a necessidade da alma para se revelar em momentos especiais e de grande significado. Os problemas podem ser solucionados; os mistérios apenas vividos.

Pergunto:

– QUE “OCULTO” É ESSE, RESPONSÁVEL PELAS CRIAÇÕES DOS NOSSOS “ESTADOS DE SOLIDÃO”?

Somente cada um de nós, por suas buscas de “autoconhecimento”, terá condições de responder para “si mesmo” essa pergunta, avaliando as suas conhecidas (ou possíveis) necessidades de completudes interiores e existenciais. Mas na primeira parte desta mensagem, reconheci: “São muitas as moradas da “Solidão”. Umas existem dentro de nós, outras fora. Às vezes sentimos “Solidões” vestidas de “saudade”, com as cores dos nossos “quero mais”, “quero de novo”, “quero para sempre”. Delas não gosto quando suas vestes são de “tristezas” e de “perdas indesejadas”, porque machucam o nosso coração. As que mais incomodam são as que se acomodam em nós, torturando-nos a todo instante porque delas é difícil nos livrar.”

Merecedor da minha indicação de leitura, no seu mais recente livro “A estranha ordem das coisas – as origens biológicas dos sentimentos e da cultura”, publicado no Brasil pela Editora Companhia das Letras com tradução de Laura Teixeira Motta, explica o neurocientista António Damásio:

– É comum encontrarmos explicações sobre a vida mental – percepções, sentimentos, ideias, memórias com as quais percepções e ideias podem ser registradas, imaginação e raciocínio, palavras usadas para traduzir narrativas internas, invenções etc. – nas quais essas coisas são vistas como produtos do cérebro. (…) Nossas percepções e as ideias que elas evocam geram continuamente uma descrição paralela baseada em linguagem. Essa descrição também é construída com imagens. Todas as palavras que usamos, em qualquer linguagem – falada, escrita ou percebida pelo tato, como no braile -, são feitas mentalmente de imagens. Isso vale para as mensagens auditivas dos sons de letras, palavras e inflexões e também para os correspondentes códigos visuais de símbolos/letras que representam esses sons. (…) A coleção de imagens tipicamente relacionadas a um objeto ou evento equivale à “ideia” desse objeto ou evento, seu “conceito”, seu significado, sua semântica. Ideias – conceitos e seus significados – podem ser traduzidas no idioma dos símbolos e permitir o pensamento simbólico.

Pergunto:

QUAL A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM PARA, QUANDO POSSÍVEL, NOS AJUDAR ENTENDER AS NOSSAS PERCEPÇÕES SENSORIAIS DE “SOLIDÃO”?

Gosto destas considerações da doutora Mihele Müller, pesquisadora e especialista em Neurociências, Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação, apresentadas no seu artigo “Matéria-prima do pensamento” (por mim numeradas):

1. A linguagem vai além do campo cognitivo. Ela auxilia na identificação de sensações e na construção da inteligência emocional.
2. Estudos neurocientíficos apontam uma nova perspectiva na compreensão dos sentimentos, não como respostas pré-programadas, mas como construções sociais – o que leva a uma visão mais flexível sobre a forma como podemos lidar com elas, saindo do papel de reféns das emoções para ganhar o poder de desconstruí-las.
3. A linguagem tem um papel fundamental no desenvolvimento da inteligência emocional. Sua função, portanto, não se limita à expressão das nossas experiências e emoções, com a finalidade de influenciar de incontáveis maneiras aqueles com os quais interagimos. É a matéria-prima do pensamento, o conjunto de peças que molda a forma como percebemos o ambiente, como interpretamos o outro e como compreendemos as próprias emoções.
4. Diferentemente de palavras que representam elementos concretos, os conceitos abstratos geralmente dependem do contexto para serem definidos e explicados. E é nessa maleabilidade que está a riqueza de uma língua – e também, de acordo com Barrett, do repertório emocional que cada um carrega [Michele está se referindo à neurocientista Lisa Barrett, autora de How Emotions Are Made, conhecida por suas pesquisas sobre a construção das emoções].
5. A linguagem abstrata permite enxergarmos coisas que antes se encontravam em um ponto cego da percepção. Como se fossem lanternas da mente, as palavras expandem os limites do nosso mundo interno, como defendeu o filósofo alemão Wittgenstein. Um mundo que é inteiramente guiado pelas emoções e sentimentos – das grandes conquistas às piores decisões. Para conseguir identificá-los é necessário nomeá-los. Com a consciência dos ingredientes que os compõem, a partir da clareza trazida pelas palavras certas damos ao cérebro a capacidade de categorizar, perceber e predizer as emoções – ferramentas fundamentais para que possamos lidar melhor com eles e responder aos estímulos de forma mais flexível e funcional. Quanto maior o vocabulário, portanto, maior o que Barrett chama de “granularidade emocional”. Um repertório que possibilita expressar da forma mais acurada possível o leque de nuances emocionais que as diversas situações e estímulos podem evocar está relacionado à capacidade de construir experiências emocionais mais refinadas, levando a melhores predições e instâncias de emoções que são modeladas de acordo com a situação.

Por sua vez, como no início desta mensagem manifestei o meu entendimento de que “sentir solidão” são experiências subjetivas de realidades abstratas, merece registro a seguinte explicação da doutora Michele Müller, reproduzida da sua interessante e consistente abordagem sobre a “Construção Abstrata na Mente”:

– A linguagem cumpre um papel fundamental não apenas na comunicação, como na interpretação do ambiente e na identificação das próprias emoções, o que possibilita a formulação consciente de respostas mais apropriadas. Se, por um lado, a ampliação do vocabulário permite a ampliação da própria consciência e modifica a forma como as pessoas processam suas experiências no mundo, por outro são as próprias experiências que dão sentido à palavra, em uma relação recíproca e interdependente. No entanto, a educação não leva em consideração a forma como a linguagem é compreendida e desenvolvida ao trabalhar uma série de conteúdos que, no decorrer no ensino fundamental, vão ficando cada vez mais abstratos e distantes do universo dos aluno.

Conclui a doutora Michele:

– A utilização de metáforas e analogias no entendimento de conceitos abstratos, ao descrevê-los em termos mais concretos, está diretamente relacionada à forma como o cérebro processa a linguagem. Muito mais que um recurso poético ou literário, ensinando de forma isolada, é essencial para se compreender mensagens que dependem de relações com o mundo físico ou que, muitas vezes, estão inconscientemente relacionadas a diferentes sensações e emoções.

No nosso próximo encontro, vamos aproveitar esses conhecimentos para nos ajudar entender a subjetividade das nossas percepções sensoriais de “solidão”. Conto com você.

Notas:
1. A reprodução parcial ou total, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, dependerá de prévia e expressa autorização do autor deste espaço virtual, com indicação dos créditos e link, para os efeitos da Lei 9610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos.
2. As citações da análise literária do doutor Carlos São Paulo, bem com as duas da doutora Michele Müller, foram reproduzidas das edições 161 e 162 da Revista PSIQUE, da Editora Escala.
3. Havendo, neste espaço virtual, qualquer alegação que mereça ser melhor avaliada ou contrária aos interesses dos seus autores, mande a sua solicitação para edsonbsb@uol.com.br

Muita paz e harmonia espiritual para todos.

Muita paz e harmonia espiritual.

Sobre Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br
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