“A PERCEPÇÃO DELIMITA O QUE SOMOS CAPAZES DE SENTIR E COMPREENDER, PORQUANTO CORRESPONDE A UMA ORDENAÇÃO SELETIVA DOS ESTÍMULOS E CRIA UMA BARREIRA ENTRE O QUE PERCEBEMOS E O QUE NÃO PERCEBERMOS. ARTICULA O MUNDO QUE NOS ATINGE, O MUNDO QUE CHEGAMOS A CONHECER E DENTRO DO QUAL NOS CONHECEMOS”
São palavras da artista plástica Fayga Ostrower (1920-2001). Foram selecionadas do seu livro “Criatividade e Processo da Criação”, lançado no Brasil em 1977 pela Editora Vozes.
Todas as minhas leituras dessa obra, são como viagens contagiantes por profundas reflexões sobre o interior processo de “manifestações sensórias” da criatividade humana. Manifestações, que para Fayga não se restringem às conhecidas expressões de arte.
Com admirável e aguçada percepção do seu “sentir” e “pensar”, ela sustenta que o processo de criação ocorre no âmbito da “intuição”, encontrando-se intimamente interligado com o nosso “ser sensível”. Isto porque, mesmo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se articula principalmente através da sensibilidade. Concordo, porque explica o processo intuitivo que ensejou a criação deste espaço virtual, bem como a inspiração e o estilo da escrita de quase todas as suas mensagens (mensagens 017 e 020).
Para iniciar esta mensagem, as palavras de Fayga foram escolhidas porque enriquecem esta nossa jornada para o “autoconhecimento”. É através de uma silenciosa “percepção de si mesmo” que podemos favorecer o “despertar sensório” de imagens significativas da nossa subjetiva singularidade interior (seja qual for a preferida prática de mindfulness). A respeito, esclarece o médico e psicoterapeuta junguiano Carlos São Paulo, ao comentar o conto “O Homem da Areia”, de E.T.Hoffmann, lançado no Brasil pela Editora Rocco:
– JUNG NOS EXPLICA QUE FATORES INTERIORES, EM CONJUNÇÃO COM FATORES EXTERIORES, REGISTRADOS PELA PERCEPÇÃO, RECEBEM FORMA E SENTIDO AO PROJETAR IMAGENS. TODO PRODUTO PSÍQUICO SE REVELA EM IMAGENS.
Aliás, no livro citado no início desta mensagem, Fryda assim reafirma a capacidade de transmitir as nossas “imagens sensórias” de “autoconhecimento”:
– O HOMEM PODE FALAR COM EMOÇÃO, MAS ELE PODE FALAR TAMBÉM SOBRE SUAS EMOÇÕES.
Certo é que todos nós somos “seres únicos”, com necessidades de completudes de interações existenciais. Peço atenção para este comentário do Doutor Carlos São Paulo, sobre uma bela obra do escritor americano Daniel Wallace (também lançada no Brasil pela Editora Rocco):
– PEIXE GRANDE: UMA FÁBULA DE AMOR ENTRE PAI E FILHO É COMO A VIDA. HÁ PESSOAS QUE SE AGARRAM AO CONCRETO E OUTRAS QUE PÕEM ÊNFASE NO SENTIDO OCULTO DAS COISAS, APROXIMANDO-SE DESTAS, DE ANTEMÃO, COM UMA DISPOSIÇÃO SIMBÓLICA.
[O livro de Daniel Wallace] conta a história de uma relação entre pai e filho que coloca um confronto entre a narrativa literal dos fatos e as histórias fantásticas. Will Bloom é um jornalista que se preocupa com o que acha verdadeiro, enquanto seu pai, Edward Bloom, vive uma vida de sonhos e fantasias em que conta pequenas histórias fantásticas, encantando a vida das pessoas que as escutam. O filho condena essas histórias por entender que são mentiras, enquanto o pai lhe explica: “Somos contadores de histórias nós dois. Eu falo as minhas e você escreve as suas. É a mesma coisa”.
[O “todo misterioso”], que é o mundo imaterial da psique, brotou o que Jung nomeou de complexo do “EU”. Enquanto o “EU” é responsável pelo pensamento dirigido e lógico que nos ajuda a compartilhar e ser entendido pelo outro, o “todo misterioso” se expressa por meio de um pensamento não dirigido e simbólico, que é a linguagem de nossa natureza. Na primeira metade da vida, estamos tão ocupados com nossas realizações no mundo que esse “Eu” se distancia desse “todo misterioso” que fala uma outra linguagem.
Cada homem experimenta sua história pessoal, mas também a história da humanidade em si. O “Eu” que lhe dá a identidade é uma bricolagem de tudo que existe em todos os outros homens, e é a combinação entre esses fragmentos da psique coletiva que forma o indivíduo como singular.
Quando contamos histórias com frases que oferecem um gradiente energético entre a fala normal e a criação do fantástico, produzimos uma força que nos arrebata do mundo comum para um universo que encanta a vida. Edward Bloom diz ao filho: “A maioria das pessoas conta a história direta. É menos complicado, mas perde-se o interesse”. Enquanto a narrativa direta é bruta, desinteressante e efêmera, a narrativa traduzida das profundezas da alma humana é simbólica e corrige essa distância.
Os símbolos, revelados pelas fantasias, compõem a linguagem da psique e é por meio deles que a relação entre a consciência e o inconsciente se manifesta. Por isso, na psicoterapia, enquanto nossos clientes relatam os acontecimentos, ficamos atentos às fantasias, são elas que trazem e desvendam qual a verdade que se esconde por trás dos relatos.
A realidade objetiva, que compartilhamos com o outro, nos engana e até conseguimos abandonar as certezas absolutas. É só dessa forma que poderemos compreender o outro. De acordo com Jung, nossa psique traduz, filtra, alegoriza, desfigura e até falsifica tudo que nos é transmitido e nada é absolutamente verdadeiro, nem mesmo isso é totalmente verdadeiro. Vivemos imediatamente apenas no mundo das imagens. É através dos símbolos que damos sentido ao existir. (…) Precisamos que a vida tenha significado e, para isso, o “Eu” necessita voltar a se relacionar com o “todo misterioso” ou o Deus dentro de cada um de nós.
Conclui o Doutor Carlos São Paulo:
Em sua hora derradeira, Edward Bloom é levado pelo filho a viver o mito de tornar-se o peixe grande e experimentar sua passagem embalado pelo amor desse filho que aprendeu a se relacionar com o mundo maravilhoso do “todo misterioso” e entendeu a beleza da linguagem literária, ou a linguagem da alma. Para Edward Bloom, um homem conta tantas vezes sua história que se torna uma delas. Acontece que elas continuam vivendo após ele e, desse modo, ele se torna imortal.
Plagiando desse comentário a expressão “a linguagem da alma”, estou convencido ser por ela que mostramos e transmitimos a essência “sensória” e “espiritual” do nosso “EU” interior, por meio dos subjetivos significados das “imagens” recebidas da nossa “Sensibilidade da Alma”. São essas “imagens” (acima explicadas por Jung, pela conjugação de fatores interiores e exteriores registrados pela nossa percepção), que através das nossas buscas de “autoconhecimento” revelam para nós “quem somos” ou ainda “precisamos ser”. Assim como existem as “imagens” que podem ressignificar nossas vidas. Como aconteceu com Frida Kahlo, que tendo a sua perna amputada, fortalecida por sua determinação resiliente proferiu esta pergunta “para si mesmo”::
– PARA QUE PRECISO DE PÉS QUANDO TENHO ASAS PARA VOAR?
Notas:
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Muita paz e harmonia espiritual.