Chegamos à última mensagem da série sobre a “necessidade humanista” de conhecer o autismo. Exatamente no término do mês de abril, mundialmente dedicado à conscientização desse transtorno de desenvolvimento neurológico. Estou vivenciando uma forte emoção interior de “sentimento de ajuda” (estado de alma, assim explicado pela minha seguidora, doutora Daniela Benzecry, médica clínica, homeopata, e analista junguiana, no Rio de Janeiro: – “Quando uma emoção está ocorrendo no organismo (formado por corpo e mente) ela é percebida conscientemente pelo sentimento gerado.”
Durante a escrita de todas as mensagens desta série, sempre lembrei deste ensinamento do neurobiologista Wolf Singer, diretor emérito do Instituto Max Planck de Pesquisa do Cérebro que, juntamente com outros, enriqueceu a proposta do livro “Cérebro e Meditação – Diálogos entre o Budismo e a Neurociência”, lançado no Brasil pela Editora ALAÚDE, com tradução de Fernando Santos, que para os interessados indico como sendo leitura obrigatória:
– Os seres humanos se inserem na dimensão das realidades sociais que eles criaram por meio de suas interações, da observação dos outros e do compartilhamento de suas observações e experiências subjetivas. Esses processos de comunicação lhes permitem compartilhar um consenso sobre a legitimidade dessas experiências atribuindo-lhes qualificações (nomes ou símbolos): é assim que eles asseguram que essas experiências sejam comuns a todos os seres humanos.
Faço apenas duas perguntas para você:
– NAS NOSSAS INTERAÇÕES, SEJAM DE QUE NAUREZA FOREM, QUAL É A NOSSA RESPONSABILIDADE “EXISTENCIAL” E “ESPIRITUAL” NA CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DE UMA CRIANÇA AUTISTA ?
– QUAL É O LUGAR DA CRIANÇA AUTISTA, NA SOCIEDADE MODERNA ?
Somente cada um de nós poderá responder, de acordo com a percepção humanista da nossa realidade social. Pessoalmente gosto desta observação do mundo da criança em nossas vidas, feita pela doutora Danielle Cristina Wolf, psicóloga de formação e especialista em educação infantil pela USP (na sua abordagem “Desconstrução da infância”, publicada na Edição 99, Ano VIII, da Revista PSIQUE, lançada no Brasil pela Editora ESCALA):
– A criança, desde muito pequena, é um ser humano que está em constante desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo, afetivo e social. Que possui marcas por sua história de vida, definidas também pelas tramas sociais e culturais do momento em que vive e onde está inserida. Tem uma extraordinária capacidade de se relacionar com o mundo que a circunda, e a cada nova relação com o meio, se apropria de todos os elementos presentes na experiência vivida, dentro de suas condições físicas, neurológicas, biológicas, sociais. A criança se relaciona com o mudo físico e social tal qual ele se apresenta a ela: com todos os sons, cores, objetos, fenômenos, pessoas e relações presentes. Um mundo que não é feito de recortes, mas de totalidades.
É para os educadores que pertencem a essas totalidades (responsáveis pela “educação inclusiva das crianças autistas”), que peço atenção para estas respostas do psicopedagogo Eugênio Cunha, na entrevista citada na terceira parte desta série de mensagens:
1.Sobre como os educadores devem lidar com o aluno autista.
Eugênio Cunha. Eu sempre digo que não há receita de bolo. Digo também que não conheço dois autistas iguais. O que funciona com um pode não funcionar com outro. Porém, há aspectos básicos na aprendizagem humana que são inerentes também a alunos com autismo: a afetividade do aluno, os seus interesses e a funcionalidade do trabalho pedagógico. O que se ensina precisa fazer sentido. É necessário mergulhar nos afetos do autista: descobrir seus interesses, desejos, sonhos, possibilidades, dificuldades, enfim, conhece-lo bem. Em termos pedagógicos, o professor precisa descobrir quais habilidades seu aluno já possui e quais ele precisa adquirir. A partir daí, escolher os materiais adequados. Podem ser habilidades sociais ou acadêmicas. Sempre priorizando a comunicação e a socialização. É preciso estabelecer um plano de ensino em conjunto com a família. Muitas vezes, a elaboração de uma rotina em casa, articulada com uma rotina na escola, é um caminho para ajudar o autista a autorregular-se e a inserir-se no espaço escolar. As práticas de ensino devem ter predicados de ludicidade. Independentemente da idade, do nível de ensino ou do grau de comprometimento, o espaço escolar deve favorecer o prazer de aprender.
2.Sobre a possibilidade de integração dos alunos autistas em sala de aula, mesmo nos casos mais severos.
Eugênio Cunha. Sim. Se a escola tem projetos inclusivos, estratégias adequadas, parceria com a família e, principalmente, professores capacitados, o trabalho de inclusão obterá sucesso.
3. Sobre qual a melhor instituição de ensino para os autistas.
Eugênio Cunha. O tipo de atendimento depende do tipo de aluno e do contexto. Há famílias que buscam escolas que tenham bons profissionais. Lógico que a preferência será sempre por escolas do ensino comum, mas nem sempre ela será suficiente ou estará preparada para incluir. O autismo é uma síndrome com sintomas bem diferentes em cada indivíduo. Então, dependendo dos comprometimentos, é totalmente possível e até natural que alunos com autismo estudem em classes comuns, mesmo começando por classe especial. Não somente isso, mas que cheguem à universidade. (…) A inclusão não se faz apenas em classes do ensino comum, mas também com o apoio de espaços especializados e com a parceria da família.
4.Sobre as diferenças de metodologia entre os dois tipos de instituição.
Eugênio Cunha. A legislação diz que o atendimento especializado deverá ser feito no contraturno. Isso porque o ideal será sempre a escola do ensino regular, se ela estiver preparada. Porém, muitos pais optam por matricular seus filhos em escolas especializadas. O atendimento em instituições especiais traz muitas vantagens individuais, pois essas instituições normalmente contam com diversos profissionais de apoio. Então, por exemplo, o aluno pode ter o atendimento de fonoaudiologia, de psicomotricidade etc. que vão atuar em áreas bem específicas do seu aprendizado. Numa boa escola do ensino comum, a grande vantagem está na socialização, nos desafios, na convivência com o diferente em um ambiente que é muito mais inclusivo, que prepara o indivíduo para os desafios da vida social. A classe regular deve trazer modelos positivos, em razão da convivência com as diferenças, tanto para alunos com autismo quanto para alunos neurotípicos.
5.Sobre se as consequências do autismo na sociabilidade do aluno podem ser superadas pelos outros alunos.
Eugênio Cunha. No campo de convívio, sim. Por isso é importante que o trabalho na escola não se restrinja apenas ao aluno incluído, mas também abarque a família do aluno incluído e as demais famílias, que precisam ver a inclusão como um processo social irreversível de convivência com as diferenças.
6.Sobre as expectativas dos pais e professores, em relação ao desenvolvimento intelectual do filho e do aluno autista.
Eugênio Cunha. O aluno autista aprende, pois a aprendizagem é característica do ser humano. Mas é necessário estabelecer vínculos com situações concretas da escola. Vínculos, principalmente, com a condição discente. Educar o aprendente com autismo é constituir uma relação dialógica que pressupõe um jeito diferente de aprender e, como consequência, um jeito diferente de ensinar.
7. Sobre se o ensino público e particular está preparado para atender crianças com autismo, com aprendizagem de qualidade.
Eugênio Cunha. Infelizmente não. Ainda há muitas deficiências no atendimento e na relação com o aluno com TEA. (…) Há dificuldades na elaboração de programas específicos em sala de aula comum, diante da premência de atender alunos com deficiência e sem deficiência ao mesmo tempo. As escolas dão pouco suporte aos professores. Uma pesquisa realizada por nós em escolas públicas e particulares mostrou que o comportamento e a condição intelectual são os elementos que mais contribuem para inclusão-exclusão.
Notas:
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Muita paz e harmonização interior.