“PARA O CORPO DOENTE É NECESSÁRIO O MÉDICO, PARA A ALMA, O AMIGO: A PALAVRA AFECTUOSA SABE CURAR A DOR”
São palavras de Menandro (342-291 a.C), o mais popular cômico grego da Comédia Nova, última fase da evolução dramática ateniense. Foram por mim escolhidas para iniciar esta mensagem, que me foi inspirada pela entrevista do conhecido médico, Doutor Drauzio Varella, concedida a Gilberto Gil no seu programa “Amigos, Sons e Palavras”, transmitido em 25/09/2018 pelo Canal Brasil. Ao ser perguntado sobre a tecnologia sofisticada atualmente usada pela medicina, em síntese ele respondeu:
– Trata-se de uma tecnologia mais sofisticada, que permite diagnósticos muito mais precisos. Mas medicina só se faz com as mãos. Eu não consigo entender outro tipo de medicina, essa que você fica distanciado das pessoas, olhando mais para as imagens na tela do computador. O inconveniente dessa tecnologia que nos ajuda muito, que é fundamental, é a gente deslocar o centro da atenção no paciente, para o equipamento, para as imagens, além de encarecer muito o tratamento e afastar a medicina das pessoas mais necessitadas. A verdadeira medicina tem que ter o toque. O médico tem que tocar, porque é através do toque que você estabelece a empatia.
Nesta jornada para o “autoconhecimento” já manifestei a necessidade de uma medicina mais humanista, citando como exemplo o atendimento médico-hospitalar da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação (Mensagem 101). Com esta mensagem, o enfoque será diferente, mais subjetivo, e centrado na interação de “encontro de almas”: as dos profissionais da área de saúde, com as dos seus pacientes.
Voltando às palavras de Menandro, percebemos que o seu “sentir” não condiciona a prática da medicina apenas à cura do “corpo doente”, mas também da “alma”. Porque são as palavras de “afeto”, de “amor”, de “esperança” (sejam do médico ou de um amigo) que “curam a dor”, quando são pronunciadas com a essência de sentimentos de “generosidade” (entenda-se a força dessa essência, pelo sentido etimológico da palavra “generosidade”, que vem do latim “gens” e que, de acordo com a sua fonte indo-européia, significa “gerar”, “fazer nascer”).
Gosto desta lição de sabedoria ensinada com a conduta de atendimento do psiquiatra Christophe André, considerado pioneiro na introdução da meditação na psicoterapia, publicada no belo livro “O caminho da sabedoria”, lançado no Brasil pela Editora ALAÚDE, com tradução de Eric Heneault, que recomendo a leitura:
– Para explicar o sofrimento aos meus pacientes e lhes mostrar como vamos trabalhar, tento estabelecer uma diferença – certamente redutora, porém pedagógica – entre a dor e o sofrimento. A dor é a parte biológica, orgânica ou existencial do sofrimento (…). Às vezes, a dor também se materializa por causa de algo que ocorreu: a perda de um filho, de um amigo, de um familiar. Finalmente, a dor é o real que nos fere. O sofrimento designa o impacto da dor sobre a mente, sobre nossa visão do mundo.(…)
Não posso fazer desaparecer a dor dos meus pacientes apenas com palavras – às vezes eles precisam de remédios, ou de tempo, como no caso do luto -, mas posso ajudá-los a entender seu sofrimento e a reduzi-lo com certas abordagens, como psicoterapia ou a meditação. Para aquele que no dia a dia carrega um sofrimento físico ou um mal-estar interior, a arte de viver é indispensável para evitar que os problemas ocupem o centro da vida.
O Doutor Christophe, complementa:
Não podemos esperar conter o sofrimento se não houver amor ao nosso redor. Tenho com frequência pacientes cuja solidão é um grande problema. Eles enfrentariam muito mais facilmente as dificuldades se estivessem cercados por entes queridos, para evitar, toda vez que estão submetidos a grandes sofrimentos, cair no niilismo, na hostilidade contra o gênero humano. Tudo é válido, mesmo a mais ínfima migalha de afeto! Um médico pode dar amor aos seus pacientes, os vizinhos podem dar amor às pessoas que moram ao seu lado, os desconhecidos na rua podem dar amor com um sorriso.
Por sua vez, cabe este registro relacionado ao “toque” mencionado pelo Doutor Drazio Varella:
Em matéria publicada na edição de 25/02/2018 da revista científica PNAS, pesquisadores da Universidade do Colorado sugerem a existência de um possível mecanismo neurológico com o efeito analgésico do toque de outro ser humano. A respeito, esclarecem os participantes da equipe liderada por Pavel Goldstein: “O toque afetivo parece afetar a percepção consciente da dor, expressando assim fatores sociocognitivos. Em consonância com essa descoberta, nossa nova pesquisa mostrou que segurar a mão de um parceiro reduz a ansiedade e a reação da pressão sanguínea ao estresse. Isso leva a crer que fatores emocionais estão envolvidos nos efeitos analgésicos do toque.”
Sobre a “linguagem da pele”, na edição 274, Ano XI, da Revista Mente e Cérebro, lançada no Brasil pela Editora Segmento, com conteúdo estrangeiro sob licença de Scientific American, esclareceu a Editora-chefe Gláucia Leal:
– Para Freud, ego é antes de tudo corporal. No texto “O ego e o id”, de 1923, o criador da psicanálise assinala que as sensações táteis se diferenciam dos demais registros sensoriais por fornecerem dupla percepção: sentimos o objeto que toca nossa pele e, com isso, temos consciência da pele sendo tocada. O psicanalista francês Didier Anzieu, criador do conceito EU-pele, baseia-se em Freud, ao dizer que “toda função psíquica se desenvolve com o apoio de uma função corporal, cujo funcionamento se transpõe para o plano mental”. Ele trata da “bipolaridade tátil”, precursora do psiquismo e da capacidade de subjetivação, de um desdobramento reflexivo do eu consciente que se apoia sobre a experiência tátil – o que, mais tarde, proporcionaria a reflexividade do pensamento.
Por último, peço atenção para esta preocupação que foi transmitida pelo Doutor Roberto Luiz d’Avila, assessor da presidência do Conselho Federal de Medicina, no seu artigo “As humanidades e sua importância no atual exercício da medicina”, publicado em 04/10/2018 no blog “Humanos”, da Comissão de Humanidades do Conselho Federal de Medicina:
– Neste momento, o que mais precisamos é de uma profunda reflexão sobre o papel do médico e a necessária formação humanística dos futuros profissionais, a respeito da dignidade humana, da morte e do morrer, da empatia e da compaixão. Ou seja, uma profunda reflexão filosófica, antropológica e sociológica sobre o que nos faz humanos. Além, é claro, do uso das artes em geral como instrumentos para despertar nos atuais estudantes de medicina e jovens médicos a necessária sensibilidade para ouvir, auscultar e palpar não somente os corpos físicos de seus pacientes, mas principalmente suas almas. Quem são, o que desejam, quais suas crenças, suas necessidades, o quanto amou e foi amado?
Dedico esta mensagem aos médicos que me acompanham em Brasília, agradecendo o atendimento humanista deles recebidos.
Notas:
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Muita paz e harmonia espiritual.