(275) Sentindo Clarice Lispector.

“SUPONHO QUE ME ENTENDER NÃO É UMA QUESTÃO DE INTELIGÊNCIA E SIM DE SENTIR, DE ENTRAR EM CONTATO… OU TOCA, OU NÃO TOCA”
São palavras de Clarice Lispector. Nesta jornada para o “autoconhecimento” já lhe dediquei duas mensagens (038 e 190). Todas as suas escritas sempre me “tocam” pelo modo de transmitir a “essência” do seu “sentir”. Em síntese, assim defino: Um estilo primoroso do seu permanente e contagiante “entregar-se para si mesmo”. E, com esse encontro, ela vivenciou (como acredito) o querer “perpetuar” a sua desejada missão de vida. Acrescento, para esta mensagem: É esse o espectro das matizes da “subjetividade interior” de Clarice, que também me foi mostrado com a leitura desta parte de uma das cartas escrita para sua irmã Tania, em janeiro de 1942 e logo após ter completado 21 anos de idade:

– NÃO ESCREVI UMA LINHA, O QUE ME PERTURBA O REPOUSO. EU VIVO À ESPERA DE INSPIRAÇÃO COM UMA AVIDEZ QUE NÃO DÁ DESCANSO. CHEGUEI MESMO À CONCLUSÃO DE QUE ESCREVER É A COISA QUE MAIS DESEJO NO MUNDO, MESMO MAIS QUE AMOR.

Destaco da crônica do jornalista Severino Francisco, publicada no caderno Cidades, da edição de 15/11/2019 do jornal Correio Braziliense, as seguinte citações do livro “Todas as crônicas” (com quase 700 folhas), lançado no Brasil pela Editora Rocco. Nele, Clarice reproduz uma dessas entrevistas feitas para um caderno de estudante. São pergunta e respostas rápidas:

1. Sobre a coisa mais antiga do mundo.
Clarice. Poderia dizer que é Deus, que sempre existiu.

2. Sobre a coisa mais bela.
Clarice. O instante da inspiração.
Em seguida, o entrevistador esclarece que, na verdade, em uma das suas crônicas Clarice havia dito que “A INSPIRAÇÃO NÃO É LOUCURA; É DEUS”.

3. Sobre o melhor dos sentimentos.
Clarice. O de amar e ao mesmo tempo ser amada, o que parece apenas um lugar-comum, mas é uma de minhas verdades.

4. Sobre o sentimento mais rápido.
Clarice. O mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor.

5. Sobre a mais forte das coisas.
Clarice. O instinto de ser.

6. Sobre o que é mais fácil de se fazer.
Clarice. Existir, depois que passa o medo.

7. Sobre a coisa mais difícil de realizar.
Clarice. A própria felicidade que vem do conhecimento de si mesmo

Volto às palavras de Clarice, selecionadas para o início desta mensagem:

– SUPONHO QUE ME ENTENDER NÃO É UMA QUESTÃO DE INTELIGÊNCIA E SIM DE SENTIR, DE ENTRAR EM CONTATO… OU TOCA, OU NÃO TOCA”

Pergunto:

– Qual teria sido a motivação interior de Clarice, ao condicionar apenas ao nosso “sentir” (e nunca à uma “questão de inteligência”), a possibilidade dela ser por nós entendida (como acredito, em termos de aceitação do seu estilo e produção literária)?

Desconhecendo o contexto desse seu “sentir”, não tenho como responder. Mesmo assim, lembrei desta percepção de Aristóteles (384-322 a.C):

– NÃO HÁ NADA NA NOSSA INTELIGÊNCIA QUE NÃO TENHA PASSADO PELOS SENTIDOS.

Certo é que não podemos deixar de reconhecer que a “inteligência” é em nós consolidada por uma série de estímulos recebidos pelo nosso cérebro, de uma série de experiências significativa (inclusive de natureza genética e também ambiental).

Termino esta mensagem, com esta interessante explicação da doutora Marta Relvas (que é Membro Efetiva da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento), sobre o envolvimento das nossas emoções com as estruturas biopsicológicas da inteligência:

– Quando se trata de explicar o funcionamento do cérebro, certamente é útil a comparação com o computador, um sistema eletrônico que tem entradas de informações, um processador que as elabora e um sistema de saídas. É assim que se utiliza essa comparação para explicar que o cérebro funciona processando as informações que recebe por intermédio dos órgãos dos sentidos, sejam esses os órgãos da visão, da audição, do tato, do paladar ou do olfato, e depois de processar e elaborar os significados dessas informações emite uma resposta motora ou, conforme o caso, memoriza-a para, talvez em outro momento, utilizá-la e emitir a resposta correspondente. (…) É importante destacar que as estruturas biopsicológicas da inteligência estão diretamente envolvidas com a emoção, pois se interligam por meio do estado emocional do indivíduo.

Nascida no dia 10 de dezembro de 1920 em Tchetchélnik, na Ucrânia, neste ano Clarice completaria cem anos de vida.

Notas:
1.A reprodução parcial ou total, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, dependerá de prévia e expressa autorização do autor deste espaço virtual, com indicação dos créditos e link, para os efeitos da Lei 9610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos.
2.A explicação da doutora Marta Relvas foi reproduzida do seu artigo “Cognição Humana”, publicado na edição 166 da Revista PSIQUE, lançada no Brasil pela Editora Escala; a citação da carta de Clarice, foi reproduzida do artigo “Três Cartas de Clarice Lispecor: o improviso”, de Nádia Battella Gotlib, professora livre-docente pela Universidade de São Paulo, publicado na Edição 229, Ano 20, de novembro de 2017, da Revista CULT, lançada no Brasil pela Editora Bregantini (que recomendo, como leitura obrigatória).
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Muita paz e harmonia espiritual.

Sobre Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br
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