(331) Sentindo a necessidade de conhecer e significar no seu tempo.

“PARA O INCONSCIENTE NÃO HÁ NOÇÃO DE TEMPO OU REALIDADE. O DESEJADO É VIVIDO MENTALMENTE E NO MOMENTO EM QUE ESTAMOS “SONHANDO” COM ISSO, A IMAGEM É RECONHECIDA PELA MENTE COMO UMA VIVÊNCIA.”

São palavras do psicanalista Armando Colagnese, no seu artigo “Quem já não teve um déjà-vu?”, publicado em agosto de 2007 na edição n. 20 da Revista PSIQUE, da Editora Escala. Dele destaco esta parte da sua explicação, por mim assim resumida: Para a Psicanálise o fenômeno “já ter visto” está intimamente ligado aos nossos desejos inconscientes que se manifestam e parecem muito reais. É quando temos a impressão de ter estado em algum lugar ou participado de situações que nos parecem familiares.

Em uma perspectiva neurocientífica existem estudos que consideram ser a sensação de déjá-vu um mau funcionamento do cérebro na classificação de novas informações (memória episódica). Para esses pesquisadores, os neurônios localizados no hipotálamo traçam um mapa mental de novos lugares e experiências que são armazenadas para o futuro. Quando essas experiências começam a ficar parecidas, esses mapas geram a sensação de um determinado evento já ter sido vivido por nós.

A sensação de perpetuação do reviver imagens modeladas pelo nosso “inconsciente”, é “atemporal”. Sobre o tempo na Psicanálise, explica a Psicóloga Lucyelle Jane Bigonha Costa no seu interessante artigo, “Seríamos imortais?”(Revista PSIQUE, ed. 17, da Editora Escala):

– Já se sabe que nem sempre a Psicanálise se dedicou a estudar especificamente a questão do tempo. Tratou-se logo de pensar qual é a temporalidade do sistema inconsciente, que apresenta um tempo psíquico único, o chamado nachträglich, a posteriori.
Desta forma, psicanaliticamente falando, o homem se coloca num mundo e atua nele tendo por referência uma noção de tempo que difere da reconhecida pela sua organização psíquica consciente. Neste sentido, Poulichet (1996), dirá que vivemos de acordo com dois tempos, um que ordena os acontecimentos existenciais na temporalidade – “o tempo que passa” – e outro, o dos processos inconscientes, no qual os acontecimentos psíquicos ficam “na instância daquilo que não cessa”. Por não cessar deve-se entender que os “acontecimentos não acabam, que não têm termo e por isso não se tornam passado”, logo o “tempo que não passa”. (p.34).

Durante a pandemia da Covid-19 todos nós conhecemos esse “tempo que não passa”, nominado de “Suspensos” pela doutora Ana Maria Haddad Baptista (mensagem 302). Pergunto:

AFINAL, O QUE É O TEMPO?

1) Influenciado pela filosofia agostiniana, para Albert Einstein (1879-1955) “a distinção entre passado, presente e futuro é só uma ilusão, ainda que persistente”.

2) No seu bem fundamentado artigo “Breve reflexão sobre o tempo”, ensina Monica Aiub, doutora em Filosofia pela PUC-SP, de quem sou seguidor (Revista Humanitas, ed. 148, da Editora Escala):

– Na Antiguidade, o tempo, considerado como parte mensurável do movimento, estava relacionado, de um lado, à “imagem móvel da eternidade”, ou seja, na mudança observável da natureza no tempo estaria revelada a imutabilidade do eterno, conforme descreve Platão no diálogo Timeu (37d-39d); de outro, à mensuração do movimento entre o antes e o depois, como propõe Aristóteles em Física (IV,II;219b1), o tempo como sucessão. Cronos é o tempo da natureza: das estações do ano; do amanhecer ao anoitecer; do nascer, envelhecer e morrer… a mensuração cronológica entre o antes e o depois.

Como Cronos a tudo devora, não existem passado e futuro, somente o presente existe. O passado já foi, o futuro ainda não é. E o presente… já deixou de ser neste exato instante. Mas Cronos não é a única noção de tempo para os gregos. Entre os estoicos há outras definições: Kairós é o tempo oportuno, o tempo da decisão, que exige o amadurecimento, a reflexão; Aion é o tempo do instante a partir do qual o passado e futuro jorram (DELEUZE, 2006). Se Cronos é definido causalmente, isto é, o que é mensurável entre o antes e o depois, Aion quebra a causalidade quando se desloca incessantemente, alterando os significados do passado e do futuro que jorram do instante presente apontando possibilidades. É o tempo existencial.

COMO PENSAR O TEMPO?

Ensina o historiador alemão do pós-guerra, Reinhart Koselleck, no seu livro “Passado Futuro”, Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC-Rio, 2006:

– Quando o historiador mergulha no passado, ultrapassando suas próprias vivências e recordações, conduzido por perguntas, mas também por desejos, esperanças e inquietudes, ele se confronta primeiramente com vestígios, que se conservaram até hoje, e que em maior ou menor número chegaram até nós.

Para Carla Longhi, doutora em História Social pela USP e pós-doutora em Comunicação Social pela Universidad Complutense de Madrid, Koselleck está sugerindo que devemos pensar o tempo na contínua articulação entre passado, presente e futuro. Isto porque “o passado carrega sentidos e saberes que podem contribuir com a experiência presente; o presente provoca inquietudes que levam à releitura do passado; já a projeção do futuro norteia a construção de projetos, potencializando ações do presente.

O que motivou esta mensagem foi o meu convencimento de que pelo fluir da “passagem ilusória do tempo” nós devemos “significar” as nossas experiências de vida (mesmo as que já estejam subjetivamente registradas na “atemporalidade” do nosso inconsciente).

Tudo “em nós” e “para nós” está relacionado a um permanente nexo de “causalidades sensoriais”. Mas não podemos esquecer que a simbólica a linguagem do inconsciente pode ser reveladora de muitas das nossas (ainda desconhecidas) necessidades interiores de melhorias em todos os sentidos por meio de um individualizado processo contínuo de evolução existencial, com essência de “espiritualidade superior”. Talvez seja por isso que ao ser perguntado sobre o que podemos fazer para melhorar o nosso cérebro, o médico Paulo Niemeyer Filho (merecidamente empossado na Academia Brasileira de Letras na última sexta-feira deste mês), respondeu: “Você tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, e fazer exercício”.

Termino este nosso encontro com este “sentir” do nosso poeta Guimarães Rosa, sobre o “inconsciente
atemporal”:

TEM HORAS ANTIGAS QUE FICAM MUITO MAIS PERTO DA GENTE DO QUE OUTRAS DE RECENTE DATA.

Notas:
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Muita paz e harmonia espiritual para todos.

Sobre Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br
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