Para mim, o que subjetivamente define uma pessoa é o meu “sentir” a sua “sensibilidade da alma”, que é a singularidade de todo ser humano.
Existem pessoas que mesmo sem falar, e apenas com a sua presença, conseguem, naturalmente, transmitir “serenidade interior” e “sabedoria de viver”.
Com esta mensagem, uma delas enriquece este espaço virtual. Refiro-me ao consagrado cineasta, ator e dramaturgo Domingos Oliveira.
Vejam este depoimento de Fernanda Montenegro:
Domingos Oliveira, com 78 anos de idade e 50 de carreira, recentemente revelou a sua “sensibilidade da alma” em entrevista concedida à jornalista Adriana Paiva, publicada na Revista da Cultura, edição 90, da Livraria Cultura.
Destaco dessa entrevista, o seguinte:
1. Adriana. Logo no início de Domingos – Vida Minha, você se pergunta se deveria contar as passagens de sua vida seguindo uma ordem cronológica. E conclui que não, que seria um desperdício. Como suas memórias foram sendo registradas?
Domingos. Quando você está escrevendo um livro de memórias, se abre a esse jorrar de recordações imprevistas. Escrevi minhas memórias de uma forma requintadíssima. Sou muito exigente, porque fiz análise. De modo que, quando você reúne esses fatos, não é possível deixar de ver que se forma um desenho que é você. E, às vezes, você gosta: às vezes, não…
Comentário. O significado existencial desse “jorrar de recordações imprevistas”, insere e representa a “percepção interior” da subjetividade do fluir do “sentido” das nossas vidas.
Todos nós carregamos as recordações das nossas “realidades” que, apesar da sensação ilusória da passagem do “tempo”, nem sempre permanecem apagadas com a volatilidade consciente das nossas lembranças. Isto porque, com a roupagem da memória (por vezes enganosa), podemos “reviver”, a cada novo instante, o passado da nossa história de vida, por vezes até com mais intensidade.
Certo é que, o homem é o modelador do seu “viver”. Portanto, de acordo com a resposta de Domingos Oliveira, o “desenho” de nós mesmos é matizado pela alternância sensória do nosso “gostar”. Ao contrário, o que é imutável no ser humano é a “essência” da sua “sensibilidade da alma”.
2. Adriana. Vários de seus filmes nasceram de peças teatrais. Infância, seu mais recente longa-metragem, é uma adaptação de Do fundo do lago escuro, que estreou em 1980. Por que transpor teatro para o cinema?
Domingos. O teatro sempre me tocou muito. É uma relação até mais estreita do que parece à primeira vista. Não sou um homem de cinema, talvez. Sou um homem de teatro, minha formação é teatral. Stanislavskiana pura. Não sei dizer onde começa o amor à arte. Mas a arte do ator supera em grandeza todas as outras. Para mim, é mais ou menos a mesma coisa. Todo filme bom tem bases teatrais.
Obs. Ao responder a próxima pergunta (sobre como vê o cinema feito atualmente no Brasil), Domingos Oliveira volta a falar sobre arte, esclarecendo:
Domingos. Se você faz um filme que tem ótimo roteiro, ótimas atrizes, ótimos atores, um conteúdo digno de ser dito, mas não encontra exibição, é porque algo vai muito mal. É preciso fazer esse balanço entre filme comercial, que pode existir, que deve existir, mas que deve sustentar o “filme de arte”. Tenho outra melhor: filme útil. Este tem que ser útil para quem o vê. Se o filme não me dá munição para lutar a luta da vida, ele não é bom. A arte também existe para as pessoas viverem melhor. E cada vez a gente está mais distante disso.
Comentário. Domingos Oliveira sempre declarou gostar de teatro. Sempre se preocupou com a função social da arte.
No livro “Domingos Oliveira”, publicado pela Editora Globo, em 2004, ele dimensionou o teatro ao “tamanho da vida”, por ser o lugar onde se pode “exercer a forma mais interessante da sabedoria” (fonte: site da Livraria Internacional SBS).
Gostar e valorar a arte é a minha maior identidade de “harmonização interior” com a “sensibilidade da alma” de Domigos Oliveira. Aliás, foi em julho de 2013 que conheci o “gostar de arte” de Domingos Oliveira, através das suas “lições”, publicadas no blog da jornalista Flavia Guerra (fonte: cultura.estadão.com.br/blogs/lições de domingos de oliveira). A respeito, destaco o seguinte:
Flavia. A função social da arte é fazer pensar, educar?
Domingos. A arte tem um bisturi que alcança lugares que nada mais alcança. Esses lugares são o amor, a beleza, a solidariedade. A arte vai lá. Ensina o que é a vida. Costumo dizer que, quando olho um girassol no jardim, não entendo bem o que é aquela coisa amarela, escandalosa. Mas quando olho os girassois do Van Gogh, entendo perfeitamente o que é a alma de um girassol.
Flavia. A transformação da arte em bem de consumo final é um fenômeno do nosso tempo?
Domingos. As pessoas não veem que o problema não é econômico. É um problema espiritual, cultural, das pessoas. A arte é tudo que nos lembra os bons valores. É construtiva.
Obs. Por sua vez, sobre algumas comédias, Domingos Oliveira comentou:
Domingos. São filmes que não tem a menor intenção de desvendar o mistério da vida, de melhorar a vida de quem vê, que é a função social da arte. A arte é coisa de autoajuda. Se o filme me faz bem, gosto do filme. Mesmo que eu sofra.
Comentário. Para Domingos Oliveira, a arte cinematográfica deve contribuir para a melhoria das nossas vidas. Este é um dos sentidos da função social de toda manifestação artística. Explica a preferência de Domingos Oliveira pela denominação “filme últil”, para quem o vê. O importante não é apenas entender a representação materializada da arte (através de projeções de imagens ou ao vivo), mas o efeito por ela causado pela interação emocional de quem aprecia. O importante é alcançar, com a contemplação da arte, o “estado de alma” que reflete a “sensação interior” de “Sentir-se bem”.
Prosseguindo com a entrevista concedida à Revista da Cultura:
3.Adriana. Muita gente diz que o filme Todas as mulheres do mundo (1966) foi sua cartada definitiva no sentido de reconquistar Leila Diniz. O processo deste longa o ajudou a superar a separação?
Domingos. Resolveu. O amor com a Leila foi como outro amor qualquer, abençoado por Deus como são todos os amores. A paixão é o Himalaia de Deus. E a gente, quando é jovem, está muito mais apto a viver esse sentimento. Sempre dizem que tudo é sexo. A paixão é loucura. Eu adorava a Leila, adoro até hoje. Tenho saudades nítidas! Gostaria muito que ela estivesse aqui. Foi um amor jovem, bonito pra caramba. Durou uns três anos.
Comentário. É difícil usar palavras para expressar a “magia contagiante” do sentimento de amor, unindo duas pessoas. Melhor dizendo… é impossível. Impossível, porque a “essência” dessa “magia” está na plenitude do “sentir amor”, com a “sensibilidade da alma”, em sintonia interior com o “sentir amor”,da pessoa amada. A união de duas pessoas, pelo amor, é missão existencial que consolida o “sentido da vida”. O “sentir amor” é único para cada relação. Cada mulher recebe do homem, o amor que só será seu (e para sempre). Nenhum sentimento de amor de um homem para uma mulher (vice-versa) será o mesmo. Nunca, portanto, será igual em todas as relações.
Na sua resposta, Domigos Oliveira considera o jovem muito mais “apto” para se apaixonar. Não concordo. Para mim, a paixão não tem idade.
Domingos Oliveira guarda o amor sentido por Leila Diniz, porque faz parte da história da sua “existencia”, e esse amor vai se perpetuar na memória do seu “sentir” com a “sensibilidade da alma”.
4. Adriana. O longa Separações (2002) também teve essa virtude curativa, pelo que você conta no capítulo dedicado à Priscilla, sua atual companheira…
Domingos. Fiquei um ano inteiro separado dela. Depois, ela voltou. Queria muito que ela voltasse e ela voltou. Os homens são assim, provocam até que a mulher resolve ir embora. Separações é muito próximo da nossa vivência, coberto de colorido e com uma forte camada de humor! Nós sempre trabalhamos juntos. Agora menos. Mas estamos juntos há 35 anos! E parece que foi ontem. Há 35 anos, quero me separar da Priscila e ela de mim (risos). Mas a gente não consegue. A Priscilla é uma gracinha, uma pessoa séria, ética, fiel, leal, uma boa atriz… Tenho por ela, frequentemente, encantos de juventude. Mas a gente briga também. Agora que estou mais velho, é difícil de me relacionar… A relação do homem com a mulher mais nova é uma relação maravilhosa. Talvez, a relação ideal. Mas é preciso sabedoria para carregar. O bom da vida é isso: se desafiar. Pensei que fosse um homem experimentado, pensei que fosse um homem vivido.. Hoje vejo que não. Vivi muitas situações e, com maturidade, vi o que passei. Mas a velhice e a doença – por que não dizê-lo, apesar de não ser nada grave -, trazem situações novas que você não tem parâmetros para resolver. Isso está sendo para mim delicioso, descobrir novas soluçoes para novos problemas. Falando assim, parece um slogan da prefeitura quando começam as obras (risos)…
Comentário. Na minha avaliação, nesta resposta Domingos Oliveira mostrou a intensidade da luminosidade interior do seu “sentir” com a “sensibilidade da alma”, aos 78 anos de idade. Repito: É difícil ser comentado, porque a “sensibilidade da alma” somente poderá ser sentida (por mais que se tente transmitir com as palavras faladas ou escritas). Como tenho afirmado neste espaço virtual, a “sensibilidade da alma” é a singularidade do ser humano. A resposta de Domingos Oliveira revela a sabedoria de “Saber viver”, poeticamente assim contada por Cora Coralina:
– Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Continuo com o meu comentário:
Tenho certeza de que, com a entrevista concedida à Revista da Cultura, o coração de Priscilla foi tocado ao saber que, para Domingos Oliveira, “ela é uma gracinha, uma pessoa séria, ética, fiel, leal, uma boa atriz…”. No entanto, o que mais tocou o meu coração foi a lição de Domingos Oliveira sobre o aprendizado que nós, homens mortais, somos beneficiados na relação com uma mulher mais nova. Como a relação de Domingos Oliveira com Priscila, que, para ele, é uma relação maravilhosa, talvez a ideal, também desafiadora, que frequentemente lhe mostra os “encantos da juventude”.
Termino esta mensagem, com este mesmo “sentir” de Domingos de Oliveira, ao encerrar a entrevista: – “O AMOR É A ESSÊNCIA DO HOMEM. QUEM VIVE AMA. QUEM AMA VIVE”
Notas:
1.A reprodução parcial ou total, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, dependerá de prévia e expressa autorização do autor deste espaço virtual, com indicação dos créditos e link, para os efeitos da Lei 9610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos.
2.Havendo, neste espaço virtual, qualquer citação ou reprodução de vídeos que sejam contrários à vontade dos seus autores, serão imediatamente retiradas após o recebimento de solicitação feita em “comentários” no final de cada postagem, ou para edsonbsb@uol.com.br
3.Vídeos do Youtube: “Fernanda Montenegro fala de Domingos Oliveira” e “Separações – O homem lúcido”.
4.Este post sobre a entrevista de Domingos Oliveira foi autorizado pelo jornalista Gustavo Ranieri, Editor-chefe da Revista da Cultura.
5.Entrevista completa: http://www.revistadacultura.com.br/resultado/15-01-05/Onde_mais_houver_poesia.aspx
Muita paz e harmonia espiritual para todos.