(243) Sentindo como encarar uma interior e indesejada identidade de gênero biológico.

“A PESSOA MASCULINA E FEMININA, NÃO É SÓ HOMEM OU SÓ MULHER. DE TUA ALMA NÃO SABES DIZER DE QUE GÊNERO ELA É”
São palavras de Jung, escritas no seu Livro Vermelho. Foram reproduzidas pelo médico e psicoterapeuta junguiano, Carlos São Paulo, na sua coluna “Divã Literário”, publicada na edição 151 da Revista PSIQUE, da Editora Escala. Refiro-me à sua análise do livro “A Garota Dinamarquesa”, do escritor americano David Ebershoff, lançado no Brasil pela Editora Fábrica 231. Ele inicia, com o título “O CORPO que habito”, que vem seguido desta síntese e perguntas:

– DE UMA MANEIRA SINGULAR, O LIVRO A GAROTA DINAMARQUESA REFLETE OS CONFLITOS INCONSCIENTES CRIADOS A PARTIR DE ASPECTOS RECUSADOS E REPRIMIDOS NO INTERIOR DA ALMA.
O que é verdadeiro em uma época quando se sabe da limitação do conhecimento humano que muda com as experiências?
O que fazer quando percebemos a natureza de um homem gritar para expressar seu complexo mundo interior, quando seus semelhantes estão fixados no que é aparentemente padrão e não aceitam o que é diferente, atacando-o com as armas da ignorância?

Esse romance de David Ebershoff, conta a história de Einar. Um rapaz que viveu no século XX e foi uma das primeiras pessoas que fizeram uma cirurgia de afirmação de gênero. Na Dinamarca, conheceu Greta. Uma pintora que foi para lá estudar arte. Já casados, ela fazia o marido de modelo e, em suas ambientações de intimidade, pedia para ele se vestir de mulher. Einar passou a ser a sua musa inspiradora, mas sendo tomado por memórias inconscientes que ensejaram “sentir” uma verdade sobre a sua alma inconformada com o corpo que habitava.

Nesta nossa jornada para o “autoconhecimento”, já dediquei mensagem para o “sentir a construção emocional da nossa autoimagem”. Ela foi iniciada, com estas considerações (Mensagem 181):

– Nós somos o que sentimos. Somos, como sentimos ser “para nós mesmos”. É assim que experimentamos as “imagens sensórias” da nossa subjetividade interior.
O “conhecimento de si mesmo” também é modelado pela constituição psíquica das nossas “emoções” e “sentimentos”, de acordo com a exposição aos estímulos recebidos em nossas interações de vivências. Certo é que somos nós que valoramos as “imagens sensórias” das nossas realidades (interior e exterior). Também é certo que se realmente somos o que sentimos ser “para nós mesmos”, temos mais condições de melhor avaliar a compreensão existencial e emocional do ser humano. Essa avaliação personalíssima (exclusivamente nossa) é valiosa para a prática individual do “autoconhecimento”. Ela deverá ser uma elaboração consciente de significados para as nossas vidas e que estejam estruturados principalmente na necessidade humana de “sentir-se bem”. Para ser alcançada a plenitude desse estado, o indivíduo necessariamente deverá buscar harmonização interior de integração “consigo mesmo”, com o seu “jeito de ser”, de “pensar” e de “se sentir” nas suas relações existenciais. O que importa é a beleza interior da sua identidade como “pessoa”. Não a sua exterior aparência estética.

Esta é a primeira mensagem que envolve a questão pessoal sobre “gênero”, estando especificamente relacionada com a complexa diferenciação “cerebral” e “biológica” das imagens perceptivas (sejam de natureza inconsciente ou sensória), que existe entre o “masculino” e o “feminino”, ou vice-versa.

Sempre ressalvando que não sou da área de saúde, considero que sob uma perspectiva de buscas interiores de “autoconhecimento”, a essência do enfoque desta mensagem poderá, como desejo, ajudar na melhor e necessária aceitação do que devemos entender por “orientação sexual” e “identidade sexual”. A respeito, esclarece e adverte a Doutora Maria Irene Maluf, especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem:

– A orientação sexual corresponde à atração erótica por um ou outro sexo e pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual. Mas identidade sexual é outra coisa, diz respeito à identificação psicológica com um ou outro sexo, se estabelece antes dos 4 anos de idade e é muito resistente a mudanças.
Há muitos casos difíceis nessa delicada questão. Por exemplo, nos casos de transexualidade, quando a criança ou o jovem se sentem mulher, apesar de terem órgãos sexuais masculinos ou vice-versa. Essas identificações são complexas e podem gerar muito sofrimento, comprometendo o desenvolvimento escolar, familiar, psicológico, profissional etc.
O conhecimento científico, o combate a preconceitos e tabus, por parte dos adultos, podem ser decisivos na vida de muitas crianças.
A presença de adultos capazes de aceitar as diferenças e permitir um desenvolvimento equilibrado é o ideal em todos os casos.

Por sua vez, explica o Doutor Carlos São Paulo, na sua análise junguiana da referida obra do escritor David Ebershoff:

– Os gêneros são determinados por características biológicas, sem levar em conta que cada alma poderá ou não se compatibilizar com o corpo que habita. Alma aqui é um conceito junguiano da relação da psique com o nosso mundo interno. Nascemos com a condição de desenvolver uma ideia sobre quem somos por meio do “complexo do EU”, como descreve a Psicologia Analítica. Esse “Eu” poderá ou não se identificar com o corpo biológico.
Aprendemos sobre os comportamentos humanos analisando os mitos. “Hermafrodito é um mito grego que mostra um corpo masculino dominado por uma natureza feminina. Criado pelas ninfas, tornou-se um jovem belo que não se interessava por mulheres. Um dia, enquanto descansava, a ninfa Salmácis grudou-se a ele e chamou as águas para que os unissem. Hermafrodito tentou se desvencilhar, mas uma força maior fez com que o seu corpo fundisse ao da ninfa. Um só ser tornou-se dois, homem e mulher participando de um único corpo.
Einar, como Hermafrodito, foi sendo dominado por Lili Elbe. Esse foi o nome dado a sua interioridade feminina que estava aprisionada a um corpo que precisava se modificar para atendê-la. Greta foi aos poucos assistindo a essa transformação, mas, como todos que se amam, ela lutou ao seu lado, levando-o a médicos que diagnosticaram desde esquizofrenia até homossexualidade, já que precisavam classificar o que lhes era desconhecido.

O Doutor Carlos São Paulo, assim concluiu a sua esclarecedora análise:

– Nascemos com genitália masculina, feminina ou ambígua. Construímos uma realidade subjetiva de acordo com a complexidade do desenvolvimento da personalidade e nos aprontamos para amar um outro ser humano independentemente das regras estabelecidas como leis que definem as pessoas pela forma como direcionam seu amor.
Em cada indivíduo existem aspectos de si mesmo que são rejeitados. Quando o aspecto recusado é reprimido, criamos conflitos inconscientes, atacando, para compensar, um outro que espelha essas confusões. Essa é uma das razões para as pessoas enfrentarem grandes tensões, discriminação, dor física e psicológica, principalmente quando necessitam exercer a sua natural construção identitária. Felizmente, as ciências médicas contemporâneas vêm subtraindo de seu livro de categorização as situações no homem que foram patologizadas devido à não aceitação do diferente. Isso já é um caminho para desfrutarmos de uma humanidade melhor.

Gosto desta afirmação do neurocientista cognitivo V.S. Ramachndran, feita no seu livro “Fantasmas no Cérebro, lançado no Brasil pela Editora Record, ano 2002, pág. 198, sobre a metáfora que compara a nossa consciência com a parte visível de um iceberg:

– A mais valiosa contribuição de Freud foi a descoberta de que a mente consciente é simplesmente uma fachada e que você é completamente inconsciente de 90% do que realmente se passa em seu cérebro.

Termino, com este meu “pensar” e desejando que esta mensagem ajude a todos entender esse “tudo” que sentimos ser para nós mesmos. Como acredito, assim vamos conseguir, com mais facilidade, ressignificar o nosso “viver”:

UMA DAS CONQUISTAS QUE TODOS NÓS DEVEMOS BUSCAR COM AS NOSSAS PRÁTICAS DE “AUTOCONHECIMENTO”, É PROCURAR ENTENDER (E, SE POSSÍVEL, CRIAR PARA NÓS MESMOS) OS SIGNIFICADOS SENSÓRIOS RECEBIDOS DA NOSSA SUBJETIVIDADE INTERIOR. SERÁ ASSIM, QUE VAMOS PODER FAVORECER O SURGIMENTO DE CONDIÇÕES PERCEPTIVAS PARA MELHOR “SENTIR”, E TAMBÉM SE HARMONIZAR, COM O DESPERTAR DA NOSSA “SENSIBILIDADE DA ALMA”.

Notas:

1.A reprodução parcial ou total, através de qualquer forma, meio ou processo eletrônico, dependerá de prévia e expressa autorização do autor deste espaço virtual, com indicação dos créditos e link, para os efeitos da Lei 9610/98, que regulamenta os direitos de autor e conexos.
2.As citação da Doutora Maria Irene Maluf, foi transcrita do seu artigo “MENINO ou MENINA?”, publicado na Edição 144, págs. 20-21, da Revista PSIQUE, lançada no Brasil pela Editora ESCALA.
3.O Doutor Carlos São Paulo, é diretor e fundador do Instituto Junguiano da Bahia. Endereço eletrônico: calos@ijba.com.br
3.Havendo, neste espaço virtual, qualquer citação ou reprodução de vídeos que sejam contrários à vontade dos seus autores, serão imediatamente retiradas após o recebimento de solicitação feita em “comentários” no final de cada postagem, ou para edsonbsb@uol.com.br

Muita paz e harmonia espiritual.

Sobre Edson Rocha Bomfim

Sou advogado, natural do Rio de Janeiro e moro em Brasília. Idade: Não conto os anos. Tenho vida. Gosto de Arte, Psicologia, Filosofia, Neurociência, Sociologia, Sincronicidade e Espiritualidade. Autores preferidos: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Mark Nepo, Cora Coralina, Clarice Lispector, Lya Luft, Mia Couto, Mario Sergio Cortella e Mauro Maldonato. edsonbsb@uol.com.br
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